UM ANJO NA JANELA
Quando a vi pela primeira vez ela estava na janela. Eu absorto pela correria da rua, pensamento sabe se onde. Descia a passos apressados, eu acho, afinal, quem não anda correndo aqui na cidade grande?
O fato é, que eu estava distraído, talvez triste por ter deixado meus pais no interior para morar com minha irmã na rua Primo Belline, nada contra as irmãs, elas são como anjos na nossa vida, ah! mas os pais, são coro de anjos que Deus coloca para iluminar nossa caminhada na terra.
Mas deixemos por hora os anjos. De repente na janela da casa em frente uma ninfeta esfregava a vidraça do segundo andar, uma cabeleira cheia, castanhos escuros talvez, de costas já chamava a atenção pelo volume grosso que às vezes o vento balançava, mas quando virou foi aí que a magia aconteceu, ela me olhou por alguns segundos, talvez minutos, ou horas, sabe-se lá o que acontece quando uma ninfeta olha daquele jeito, uma eternidade no tempo dos amantes, mas, no tempo dos mortais apenas alguns ínfimos segundos.
Segundos ínfimos, porém o bastante para deixa-la constrangida, abaixou o olhar e virou-se de costas para a rua, eu me senti como se estivesse invadido algo proibido e fiquei com vergonha de mim mesmo, a sensação de ter cometido um pecado mortal, daqueles denunciados pelo Padre nos sermões dominicais, por certo, iria para o inferno se não me redimisse de tão grave erro.
Mas, voltemos aos anjos, havia uma sinfonia deles dentro de mim, tocando as mais belas melodias celestes, foi assim que adentrei o portão da pequenina casa em que morava com minha irmã; ouvindo músicas angelicais, vendo mechas grossas de cabeleiras despenteadas e anestesiado por olhar nos olhos de um ser celestial que voava na janela da casa que vizinhava a nossa.
A partir desse dia acabou o meu sossego, a janela não me deixava em paz. Quando tinha uma pequena brecha no meu dia, lá estava eu, cabeça inclinada atrás do muro, à espera de ver novamente aquele anjo em forma de menina que não me saía mais do pensamento. – Deve ser minha imaginação – pensava eu com meus botões – vai ver ela nem existe.
Passei a ficar na rua sempre que podia. Sentava num pequeno canteiro de Rosas vermelhas que minha irmã cultivava com carinho, arrumei alguns amigos para jogar bola na rua, tocava meu velho violão que me acompanhava desde as serenatas do interior – quase todas as noites – com o intuito de ficar mais tempo perto daquela janela.
Talvez, Deus tenha feito as janelas para punir os apaixonados, ou para encher de alegria sua alma, afinal, não é na janela que acontecem as mais belas serestas? Mas, no meu caso era ilusão pura, a ninfeta da janela, o anjo que tocou meu coração não devia existir, talvez, fosse apenas fruto de uma imaginação fértil de um pobre moço solitário com saudades de casa.
Numa acinzentada tarde de outono, me lembro das folhas murchas caídas na calçada e um vento gélido que vinha do Sul que balançava as copas das arvores, eis que nesse cenário tempestuoso e gélido de final de tarde, o anjo voltou de repente. Com a leveza de um ser celestial abriu o portão e desceu correndo a rua na direção de uma casa bem próximo do outro lado, enquanto eu a perseguia com o olhar durante o pequeno trajeto que ligava os dois portões; -Vocês não podem imaginar caros leitores- O quanto desejei que aquele trajeto durasse mais tempo, quem sabe fosse léguas a serem percorridas, assim eu poderia deleitar-me com a leveza daqueles passos elegantes, com a altivez aquele corpo esquio e cheios de curvas – Ah os anjos tem curvas e tem cabelos fartos e tem um olhar que escraviza quem ousa olhar para eles.
Os cabelos balançavam ao serem tocados por aquele vento tempestuoso, suas mechas grossas se espalhavam por sobre sua face deixando seu rosto meio encoberto. Eu a segui com o olhar enquanto ela corria contra aquele vento cortante, e de repente, em meio aquelas folhas mortas caídas no chão, ela parou em frente da casa e se virou meio acanhada.
Os anjos tem um olhar penetrante, pareciam duas luzes brilhantes em meio aquelas mechas espalhadas, os anjos tem um poder arrebatador de te levar ao êxtase apenas num instante, não havia dúvida, ela existia, não era fruto da minha imaginação, eu estava feliz por descobrir isso, mas, estava triste também, porque não se pode amar um anjo, é um crime contra as criaturas celestes e as leis divinas.
Passei a sonhar com aquele anjo das tardes frias e cinzentas de outono e das visitas a janela nas tardes quentes de verão. Passei a imaginar o que havia naquela janela do segundo andar que pudesse sujar tanto, ela passou a limpá-la quase todos os dias e quase na mesma quantidade de vezes, descia a rua em direção a outra casa visitar a tia e voltava apressada momentos depois.
-Maria que diacho faz tanto na rua – Gritava o pai para que entrasse. Ela tinha um nome, eu agora já sabia do seu nome, é claro que já ouvira outras vezes minha irmã pronunciar esse nome – Sabe a Maria, filha da Zumira nossa vizinha, é uma menina educada e regatada, moça para casar – Eu ficava quieto e fingia que não era comigo, fingia que não conhecia, afinal, ela era um anjo e pertencia as dimensões celestiais, era algo proibido, talvez tivesse 15 anos, quem sabe séculos, os seres celestiais são imortais e vivem com aparência de ninfetas belas e joviais para sempre.
Fiz de tudo para fugir daquele anjo, não achava certo nutrir esperanças por ela, por certo, me olhava apenas para retribuir meus olhares, era acanhada e recatada, sempre fugia em seguida assustada, eu notava que as vezes parecia me olhar meio disfarçada, olhar dissimulado – Tiro o dissimulado, uma vez, que me lembrei de Capitu – Olhar dissimulado pode causar confusão, troco o dissimulado por prolongado, suave e atencioso, verdadeiro, puro – desculpas por tantos adjetivos – Não quero tornar cansativo essas linhas, é que estou meio perdido, não são assim os amantes? Perdem o chão e a razão, voltam a ser crianças, sofrem, choram, sonham, a vida vira do avesso caro leitor.
As luzes do Natal chegaram naquele final de ano. Os enfeites natalinos se espalhavam pelas casas colorindo nossa pequena rua. Minha irmã viajara dias antes para passar as festas com nossos pais, eu estava preso no meu trabalho e seguiria nas vésperas do feriado para encontra-los na pequenina Santana, uma cidadezinha a oeste do Estado.
A luzes do natal iluminava meu portão e dali eu avistava a janela enfeitada da minha vizinha, eu queria vê-la antes da minha viagem do dia seguinte, iria sentir saudades dela aqueles dias que ficaria fora. Ela não apareceu na janela naqueles dias, me lembro que havia comprado um cartão de Natal para ela, porém, não tive coragem de entrega-lo – “Feliz Natal, que Jesus te abençoe sempre, eu te amo – parei antes de escrever eu te amo, pus o ponto final no sempre e coloquei dentro de um envelope que guardei na cabeceira da minha cama.
Existem coisas caros leitores, que jamais imaginamos que possa acontecer, eu que sofria calado por aquele amor impossível, havia então me decidido que iria embora daquela rua, não queria mais vê-la, quem sabe tudo passasse e eu voltaria a ter dias mais tranquilos; quem sabe se me faltasse a visão daquela janela e daquelas mãos que a esfregavam e daqueles cabelos sedosos que balançavam a cada esfregar eu poderia, então, voltar a ter minha vida de volta.
Mas, anjos são anjos, talvez adivinhem pensamentos, são seres do céu, estão acima de todos nós humanos, eis que uma luz irradiou o portão onde eu morava, uma luz forte e envolvente e em meio aquela luz e ao clima natalino que cobria toda a rua surge o anjo no meu portão, sim leitores acreditem! Era ela em carne e osso, ou apenas em espírito, anjos não tem corpos carnais, apenas espirituais, mas, fato é que estava ali no meu portão tão próximo que por pouco não caio por terra mediante seu poder celestial.
– Vim buscar o seu cartão, sua irmã disse que você me comprou um – Ah! Minha irmã que o céu te cubra de bênçãos eternamente – De repente nossos olhos estavam bem próximos, nossa respiração ofegante, nossos lábios se juntaram num beijo apaixonado, ela era de carne e osso, um anjo de carne e osso, ficamos assim por minutos os lábios grudados os corpos trêmulos, lá fora a rua enfeitada, a janela iluminada parecia sorrir para nós.
Os anos passam depressa, hoje tem mais dois anjos que enfeitam a janela do nosso lar são belas e angelicais feito a mãe e um outro anjo que e mora no céu – Anjos são assim, entram na nossa vida de diferentes formas, as vezes por uma janela, numa tarde quente de verão, ou numa acinzentada tarde de outono – não fuja caro leitor – Eles transformam sua vida e te dão um pedaço do céu na terra.
E.L.Nunes