O Ballet e a Lua
Isabella, cabelos negros e sedosos como a noite, dona de uma beleza estonteante e cheia de mistério. Pouco se sabia no pequeno povoado de São Miguel sobre sua origem ou história; chegara ali há muitos anos, talvez séculos, como um sopro de ar fresco, tal qual o frescor da beleza irradiante do seu rosto angelical.
Era, sem dúvida, o tema principal das rodas de fofoca da cidade, não se sabia onde morava, até mesmo se discutia se realmente existia ou não. Alguns diziam que era uma bruxa que aprendera os segredos das sombras para manter sua juventude eterna, para outros seria uma criatura mística que por algum motivo desconhecido havia se aventurado a viver entre os mortais.
Seja qual fosse a verdade, Isabella vivia uma vida solitária, mantendo-se distante dos moradores locais. No entanto, a cada lua cheia, ela aparecia na praça central onde executava uma dança graciosa sob o luar.
A magia e a beleza do seu corpo a deslizar pelos canteiros de rosas brancas da praça metida num vestido vermelho causava um furor nos homens da cidade.
Alguns mais corajosos queriam se aproximar, mas, ela sumia na escuridão sem que pudesse ser alcançada; desejada pelos homens e odiada pelas mulheres, algumas delas mais enciumadas proibiam seus maridos de se aproximarem da praça nessas noites do misterioso ballet.
O Jovem Gabriel estava inebriado pela beleza daquela mulher misteriosa. Seus olhos haviam se encontrado numa tarde qualquer, e desde então, ela havia penetrado em seu ser, ele não podia mais tirá-la do pensamento.
Sua obsessão era tanta que estava a ponto de enlouquecer, já não comia direito e mal conseguia ajudar o pai nos afazeres da pequena padaria da família.
Estava disposto a saber mais sobre ela, sua determinação o levou a pesquisar sobre seu passado, vasculhando livros históricos da cidade e ouvindo histórias dos moradores mais antigos do povoado. Rezam as lendas que estava á décadas na cidade, parecia que não envelhecia e a cada aparição estava mais bonita e sedutora.
Os mais antigos diziam confusos, que talvez, ela fosse apenas fruto da imaginação ou ainda alguma espécie de delírio coletivo, para os mais lunáticos seria uma assombração, por isso, a maioria a observava apenas de longe e por covardia nunca a seguiam quando sumia na escuridão.
O jovem estava perdido de amor, cometeu o erro de trocar um olhar com ela e foi contagiado pela sua magia, agora não conseguia mais tirá-la do pensamento; sonhava com seu bailado e seus cabelos sedosos e negros a balançar despenteados pelo vento das noites quentes e enluaradas de São Miguel.
Passou então, a segui-la, até finalmente, encontra-la na sua dança sobrenatural. Ele escondeu-se na sombra espreitando -a com admiração e medo enquanto seguia seus movimentos frenéticos entre as rosas brancas iluminadas pelo reflexo da lua na abóboda noturna do firmamento.
Seu bailado o enlouquecia, já não conseguia mais se segurar, tinha que tocá-la, mesmo que isso lhe custasse a vida.
Num momento de vertigem tocou de leve em uma das mãos angelicais da jovem que se voltou assustada e, por um instante, freou seus movimentos para olhar em seus olhos.
O jovem Gabriel sentiu que o chão desaparecia diante de seus olhos, uma espécie de fraqueza estava prestes a jogá-lo apor terra, as pernas trêmulas, a respiração ofegante.
A dançarina voltou-se ergueu o jovem e com um sorriso encantador o convidou para o bailado. A pequena São Miguel assistiu a dança dos amantes que se arrastou noite a dentro, seus olhos profundos um no outro eternizavam uma cena que daria inveja as mais belas cenas do cinema hollywoodiano de todos os tempos.
O jovem estava absorto por aquele perfume inebriante, por aquele bailado angelical, por aqueles lábios carnudos que o convidava para um beijo inesquecível. As estrelas eram testemunhas da força sobrenatural daquele amor que nascia em meio a desconfiança e inveja daquele pequeno povoado encravado entre as montanhas e os bosques que se espalhavam em direção ao sul.
E dançaram até não mais poder. Por fim, envoltos numa nuvem de fumaça sumiram na escuridão diante de uma população perplexa e desconfiada, e por décadas nunca mais voltaram.
Isabella voltou sozinha ao palco onde brilhará, anos depois, ou décadas, talvez. Não se sabe de onde veio, quando chegou; muitas histórias contam a seu respeito: Que era jovem e bela, que dançava com um estonteante vestido vermelho em sua juventude e que vivera um caso de amor inesquecível com o jovem, belo e corajoso Gabriel.
Seus passos agora lentos, já não tinham mais a formosura dos movimentos passados, seu rosto envelhecido já não trazia mais a beleza e o frescor contagiante da sua juventude.
A negritude tinto do seu vestido de agora, marcou sua última apresentação. Num derradeiro bailado, ela despediu-se calada e como uma miragem sumiu pelas ruas solitárias do povoado para nunca mais ser vista.
Na praça ficou apenas o vazio e uma rosa branca solitária, murcha e quase sem vida que renasce cheia de frescor, sabe se lá porque, quando a lua cheia aparece no céu e toca suas pétalas com a palidez nostálgica de sua luz.
E.L.Nunes