A MULHER ESTRANHA

                                                           

                                                                                                        A MULHER ESTRANHA

Chamava-se Suzane Albuquerque de Almeida e morava na última casa da Rua dos Mata cavalos, a propriedade era uma espécie de sobrado com aspecto sombrio e silencioso, cuja vegetação cercava a casa dos dois lados, quase nunca se ouvia barulho ou conversa de pessoas por ali, para toda a vizinhança passava a impressão de morar sozinha e ser muita solitária.

Não podia passar despercebida pelos meninos do bairro, além do ar misterioso que carregava seu andejo quando saía de casa quase sempre à noite para ir sabe se Deus para onde, trazia consigo o dom de ter um corpo curvilíneo que arrancava suspiros na sua passagem, o rosto quase sempre coberto por um véu escuro atiçava mais ainda a imaginação daqueles prematuros e inexperientes rapazolas.

Fato é que muitas estórias contavam sobre ela ali pelas redondezas. Rezava a lenda que era uma vampira, por isto saía apenas a noite, durante o dia jamais fora vista por algum morador da rua, não havia nenhum vizinho que houvesse trocado qualquer palavra com ela, a vizinha mais próxima dona Mariquinha jurava ter visto, certa noite, um vulto negro sair voando pela janela, por isto trazia sempre consigo um amuleto de alho e algum crucifixo para se proteger do monstro.

Para muitos dona Mariquinha estava gagá, os anos de solidão depois que o marido morrera a deixaram com os miolos danificados, para outros aquilo fazia sentido e explicava a vida misteriosa da vizinha de rua, aqueles trajes negros, às saídas noturnas e o fato de nunca ser vista durante o dia era uma afirmação de que havia algo errado com ela.

Foi numa dessas curvas da vida que um belo dia, ou melhor, uma noite não tão bela assim, onde o negrume da escuridão era cortado apenas pelos clarões dos relâmpagos que estouravam no ar e anunciavam uma tempestade repentina sobre o vilarejo de Santo Antônio do Livramento e um vento cortante do sul parecia querer destelhar as pequenas casas da Rua dos Mata Cavalos, em nessa noite tempestuosa o carro do senhor Ateovaldo Ambrosino mais conhecido pelo bairro como cabeleira resolveu emperrar na porta da vizinha misteriosa.

Ficou paralisado de pavor, encostou a cabeça por segundos no volante desacorçoado com a própria sorte.

– É azar demais – bufou enquanto dava socos no para-brisa – Tinha que emperrar bem na porta dessa diaba.

Ambrosino fartava-se de coragem na roda de amigos, garganteava exaltando seus dotes de macho, o assunto quase sempre era a misteriosa vizinha que vivia na casa sombria do final da rua.

-Tenho medo não, homem que é homem pode lá acreditar nessas tolices? A moça é uma belezura, ainda me enamoro com ela e passo a noite naquele casarão naquele chamego gostoso.

– Cruz Credo- Respondiam os rapazolas admirados pela coragem do outro.

A tempestade desabou impiedosa enquanto tentava em vão debruçar-se sobre o motor, estava acostumado com os enguiços do carro, eram incontáveis as vezes que ficou pelas estradas do bairro com o mesmo problema.

Estava quase a abandonar o veículo à própria sorte quando escutou uma voz a suas costas, quase sufocada pelo barulho das trovoadas.

– Pegue este guarda-chuva moço e venha rápido precisamos sair dessa chuvarada.

Para seu espanto estava ali à vizinha misteriosa a socorrê-lo com um casaco que colocou suavemente em seus ombros e um guarda-chuva que o vento estava prestes a destruir.

-Venha rápido, precisamos tomar um chá, ficaremos doentes aqui.

A chuva era tão forte que não tinha como raciocinar, a moça parecia tão inofensiva assim de perto que ele chegou a sorrir das besteiras que contavam sobre ela.

Entraram correndo na casa. O rapaz um tanto sem jeito tentou desculpar-se.

– Desculpe pelo incômodo, preciso me livrar deste maldito automóvel o quanto antes.

– Não se preocupe, sabe, vizinhos são para se ajudarem, tenho um banheiro, tome um banho e troque as roupas, este roupão era do meu pai, vou fazer um chá para nós.

Depois de um banho e roupa trocada tomaram o chá em silêncio. Ambrosiano era admirado pela beleza e delicadeza da moça, vista assim de perto era estonteantemente linda.

Jogaram conversa fora como se conhecessem há muitos anos, por fim a tempestade havia se acalmado, para ele melhor que não passasse mais, queria ficar ali a conversar pela eternidade.

– Espero que volte mais vezes seu Ambrosino, eu vivo sozinha desde que papai morreu me falta alguém para jogar conversa fora.

Agradeceu meio sem jeito, ainda anestesiado pelas surpresas que a noite reservou, quanta besteira pensavam dela, era uma criatura adorável.

Passaram a ser ver com frequência sempre pelas madrugadas, dizia ela ser enfermeira por isto saía todas as noites, o negro era por conta da perda do pai, guardava luto por respeito.

Não contou nada aos amigos. Nas rodas que agora participava cada vez menos ficava calado, não queria que soubessem que ela era tão maravilhosa, haveria de ter concorrentes se soubessem que era tão inofensiva. Apenas para o amigo Zé Lalau contou a verdade, dizia estar apaixonado por ela ao que o outro se benzeu horrorizado.

– Ficou maluco cabeleira? Ela vai sugar seu sangue na hora certa.

Ambrosino tirou do bolso um bilhete que Suzane havia colocado na noite anterior no bolso de sua camisa, “Venha na sexta à noite, terás uma bela surpresa, beijos”.

– Sexta feira? Cruz credo, – repetiu Zé Lalau – Sabe que é noite de lua cheia, ela vai te pegar como já fez a tantos, homem, saia fora enquanto é tempo.

Não adiantava falar, cabeleira estava obcecado de paixão, já não via perigo, queria ficar ao lado dela. –Povo supersticioso – Pensava em voz alta – Esta cidade parou no tempo.

Porém, foram dias de ansiedade e noites mal dormidas que se seguiram, todas aquelas estórias iam e vinham à medida que se aproximava o dia da misteriosa surpresa. Por que ela colocou aquele bilhete? Suzane sempre se comportara bem com ele, sequer havia trocado um mísero beijo com ela.

Adentrou a casa da vizinha no dia combinado, percebeu que as luzes estavam mais apagadas que de costume, na mesa preparada para um jantar havia algumas velas acesas. O coração disparou quando a vizinha apareceu numa roupa sensualíssima, sua boca carnuda parecia querer engolir a sua, as curvas da moça agora estavam evidentes, sentiu-se queimar a ponto de quase desmaiar de tanta emoção.

E fizeram amor até não mais poder, por fim, Ambrosino desmaiou de cansaço, um sono profundo como nunca havia sentido. Acordou tarde no outro dia, estava sozinho nos lençóis macios de Suzane, no pescoço meio adormecido havia dois orifícios como se houvessem cravado ali duas presas bem afiadas.

                                                                                                                                                 E.L.Nunes