VÉIO DO RIO
Eu havia levantado muito cedo naquele dia, tomei o café da manhã apressado, e peguei o carro sentido Ribeirão Preto, sequer consegui passar na academia para os meus exercícios costumeiros de todas as manhãs.
Segui para o escritório onde trabalho numa empresa de transportes, imagine a seguinte situação; final de mês, mercados lotados, motoristas estressados, conferentes estressados, tudo levava a crer que seria um dia daqueles.
E não foi diferente como nos demais fechamentos, problemas à parte, eles sempre ocorrem, o importante é saber driblá-los e seguir em frente. Lembro-me que almocei pouco e fiquei muito ao celular a ouvir queixas de alguns, lamentações de outros, e vez em quando uma boa notícia de alguma entrega que havia dado certo. No fim das contas, o índice terminaria bem, entregas realizadas, metas cumpridas e começava ali um desafio para o outro mês.
Bem, mas não é este um conto sobre trabalho, teci apenas alguns comentários sobre o mesmo para justificar a minha chegada em casa depois das vinte e três horas, cansado, sem jantar e desejoso de sentir a água morna do meu chuveiro.
Assim que desci do carro minha filha mais nova a Isadora de dois aninhos, veio correndo em minha direção, os bracinhos pequenos abertos e um sorriso expressivo nos lábios.
– Papai chegou, papai chegou…
Minha outra princesa de nove anos, a Camila, esperou que a mais nova me abraçasse, na verdade, era uma espécie de ritual diário, a Isadora que prefere que a chamemos de “Isa Pepa Pig” fica muito zangada se a irmã mais velha me abraçar primeiro.
Antes que eu dê um beijo na minha esposa, que fica a distância observando-a já me avisa.
-Não pode beijar a mamãe.
Depois se vira para mim e começa a falar algumas frases somente para me ouvir discordando.
– Pai, eu gosto mais da mamãe.
E eu faço aquela cara de quem fica triste.
-Não Isa, não.
E ela responde.
-Do papai e da mamãe.
Aí eu dou uma risada de feliz e ela me abraça.
A “cacau” que é o apelido da Camila fica do lado ouvindo e espera pela próxima frase da irmã, que geralmente são quatro.
E a “Isa Pepa Pig” continua com seu repertório querendo ver minha cara de bravo.
– Pai, é gol do Corinthians – É que sou torcedor do São Paulo, imaginem.
– Não Isa do Corinthians não.
– Do São Paulo – diz e me abraça.
– Pai, você é careca.
– Não, Não.
– É cabeludo.
– Pai você é veio do rio.
Este é um personagem da novela Pantanal, é que ela ouviu a mãe dela me chamando assim. A Niléia, minha esposa, gosta de brincar comigo é que sou dezessete anos mais velho que ela.
-Não, Isa não, veio do rio não.
– É novinho – Diz quase gritando enquanto me abraça.
Depois entro com as duas nos braços, por sorte, a Cacau é bem magrinha, como toda a família, dou um selinho rápido na dona da pensão, uma vez que, a Isa Pepa Pig já está me empurrando com ciúmes da mãe.
Antes que pense em ir para o banho a Cacau precisa-me falar sobre o dia dela na escola, as brincadeiras com as amiguinhas, o aprendizado do dia, as notas das provas, e eu escuto tudo com atenção, se penso em me distrair por causa do cansaço ela me repreende.
– Pai, presta atenção.
Finalmente vou para o banho, estou literalmente sem forças, me deito um pouco na cama antes de adentrar o banheiro, preciso de alguns minutos só para mim, quando percebo que vou cochilar me levanto e corro para o banho.
Depois de jantar “pelas metades”, pois a hora não permite mais me esbaldar com a comida, encosto um pouquinho no sofá antes de ir para a cama. A Dona néia me avisa – Vou deitar com as meninas, durma no outro quarto sozinho assim você descansa melhor.
É que costumamos dormir todos juntos no mesmo quarto, (espero que nenhum psicólogo esteja lendo isto). Apesar de termos quartos de sobra, a Cacau não dorme sozinha porque tem medo. Lembro do dia que compramos uma cama da Barbie do jeito que ela queria, pensei – Agora ela vai dormir sozinha – Ledo engano, duraram três dias, no quarto dia lá estava ela a chorar com medo do escuro.
Diante dos fatos decidimos nos amontoar todos no mesmo quarto, é gostoso assim, fazemos uma oração todos juntos, é beijinho pra cá, beijinho pra lá – Benção pai, Benção mãe, Deus abençoe – A Pepa deita no meio de mim e da Néia (Espero que nenhum terapeuta de casal leia isso) e a Cacau dorme sozinha ao nosso lado na caminha da Barbie.
Mas, naquela noite, mudamos a rotina por causa do dia difícil que enfrentei, eu já havia dormido mal na noite anterior, por problemas no trabalho. Então fui me arrastando até o quarto ao lado, parecia que o mundo desabava sobre mim, uma canseira enorme me atirou sobre os lençóis, lembro que não consegui terminar a primeira parte do Pai Nosso (Espero que nenhum Padre leia isto).
E quando estava entregue, quase desmaiado sobre os lençóis macios a babar no travesseiro, percebi um pequeno vulto que atravessou a porta na minha direção e encostou o rostinho bem perto do meu.
– Papai conta uma estolinha.
E.L.Nunes